Ter direito sobre um terreno depois de certo tempo de uso não é apenas uma demanda atual. Datada de 455 antes de Cristo, em Roma, a usucapião foi consagrada na Lei das Doze Tábuas, como forma de aquisição de móveis ou imóveis pela posse continuada por um ou dois anos. A etimologia da palavra indica isso: capio significa “tomar” e usu quer dizer “pelo uso”. Entretanto, apenas o cidadão romano teria esse direito que não era, na época, extensivo aos estrangeiros. Portanto o peregrino até conseguia fazer uso de determinado terreno porém poderia ter a posse reivindicada por um cidadão romano a qualquer momento.
Com o tempo e a expansão do Império Romano, concedeu-se ao possuidor peregrino (que não tinha acesso à usucapião) uma espécie de prescrição, como forma de exceção fundada na posse da coisa por longo tempo, nos prazos de 10 e 20 anos, servindo de defesa contra ações reivindicatórias. O legítimo dono não mais teria acesso à posse se fosse negligente por longo prazo, mas a exceção de prescrição não implicava a perda de propriedade. Muito tempo depois em 528 d.C, os dois conceitos foram unificados de forma que o tempo de uso garantiria a posse.
No direito brasileiro a aquisição da propriedade por decurso de tempo está no Livro do Direito das Coisas do Código Civil. De acordo com o complemento ao Censo de 2010, no ano de 2015 existiam, no Brasil, 11.425.644 de pessoas — o equivalente a 6% da população do país — morando em “aglomerados subnormais”, nome técnico dado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) para designar locais como favelas, invasões e comunidades.
Cerca de 80% dessas comunidades estão localizadas em terrenos públicos e, segundo a Constituição Federal, com exceção de alguns casos específicos, não podem ser formalizadas por meio de usucapião. Usucapião é o direito previsto em lei pelo qual um cidadão adquire a posse de um bem móvel ou imóvel particular em decorrência do uso deste, dando-lhe função social, por um determinado tempo. Grande parte das situações de informalidade decorrem apenas de questões jurídicas e documentais, passíveis de serem sanadas pelo instituto da usucapião, através da titulação dos ocupantes.
Os benefícios sociais e econômicos que a propriedade formal proporciona são cada vez mais reconhecidos, de modo que a busca por um sistema registral rígido e confiável tem sido o norte das recentes alterações legislativas no Brasil. O legislador busca fornecer mecanismos para regularizar as situações consolidadas no tempo, como a regularização fundiária e a usucapião extrajudicial, assim como caminha para a centralização das informações imobiliárias em fonte única.
A usucapião é um instrumento de política urbana e também uma forma de aquisição da propriedade imóvel. Pode ser requerida em casos que a pessoa é residente no imóvel/parte do terreno, ou faz uso constante deste a mais de 10 anos, sem reclamação do seu dono original. Assim, a pessoa que pedir os direitos de posse da propriedade não pode ter obtido o mesmo de forma violenta, clandestina ou ilegal, e sim o estar ocupando com o consentimento do dono.
Em geral a usucapião pode ser requerida por uma pessoa que ocupa um terreno e lhe confere uma função social (moradia da família, por exemplo). Assim ela se torna responsável pelo local por determinado período, assumindo também as responsabilidades tributárias, como gastos com IPTU, iluminação, água, etc. Assim tal pessoa pode fazer o pedido judicial para que o terreno passe a ser legalmente dela , para que possa ser deixado como herança para seus filhos, para garantir indenização em casos de desapropriação e , em suma, ter sua casa própria legalizada. Na maioria dos casos esse processo é realizado diretamente com a justiça e pacificamente.
Para obtenção da usucapião são necessários documentos que comprovem que o requerente está morando e faz uso do local, como por exemplo IPTU, contas de água, luz, telefone ou qualquer outro comprovante de residência. Além disso a pessoa deve estar morando no local a mais de 10 anos.
Existem duas etapas no processo da usucapião, a etapa de engenharia e de advocacia. Nesse artigo será abordada com maior ênfase a etapa da engenharia, por ser o campo de contribuição da rede ESF para esse tipo de trabalho.
No que diz respeito à etapa da engenharia, basicamente, consiste na elaboração das plantas e registro para comprovar a localização do imóvel no terreno. Sendo assim, são necessárias duas plantas: locacional e situacional. A planta locacional tem a função de locar a edificação no terreno, apresentando suas medidas. Já a planta situacional mostra o terreno dentro do contexto urbano em que está inserido, ou seja, o posiciona dentro do bairro/distrito/cidade. Para que tais plantas sejam confeccionadas são necessárias visitas técnicas objetivando a medição das dimensões do imóvel, do terreno, do passeio/calçadas e das ruas ao redor do imóvel em questão. Essas medidas são essenciais pois serão comparadas com a escritura do terreno original pelo juiz.
Uma ferramenta para auxílio na tarefa do engenheiro é o AutoCAD. Algumas dicas de como realizar o escopo, estão no modelo padronizado confeccionado pela rede ESF, utilizando como dados, as experiências obtidas dos projetos realizados e que serve de base para outras equipes possam estruturar projetos similares, conhecendo riscos e dicas de quem já fez.
Além das medidas são exigidas informações dos vizinhos limítrofes ao terreno, esses são chamados de confrontantes no processo da usucapião, sem a identificação deles não é possível seguir com o processo para análise.
Dentro da rede Engenheiros Sem Fronteiras-Brasil o núcleo Juiz de Fora se destaca na execução de projetos da usucapião. Com o trabalho do núcleo diversas famílias já puderam ter suas casas regularizadas sem quaisquer custos com o trabalho da engenharia do processo.
Como são necessárias visitas técnicas, elaboração de plantas e registro no Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA) os gastos com essa etapa costumam ser altos e pouco acessíveis para pessoas em maior vulnerabilidade social, considerando que ainda existem os custos com a parte jurídica. Por isso, ao realizar o projeto é essencial buscar as pessoas que realmente precisam do serviço para terem sua casa totalmente regularizada perante a lei.
O trabalho do ESF, nesses casos, consiste nas visitas técnicas aos beneficiários para pegar as medidas do imóvel e elaborar as plantas situacional e locacional.
Além disso, também, é preciso pedir aos vizinhos (confrontantes) que forneçam uma cópia de seus documentos (Identidade e CPF) pois esses dados devem constar nas plantas situacionais e também no processo da usucapião.
Esse é um projeto realizado pelo ESF que se enquadra no eixo de Infraestrutura e Assistência Básica, que é um dos quatro eixos de foco de atuação da rede e também está alinhado com o Objetivo 11, dentro dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, que busca tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis
O Projeto Cantagalo trata-se da regularização fundiária da comunidade de Cantagalo no Rio de Janeiro. O projeto do Instituto Atlântico em parceria com os moradores e escritórios de advocacia tinha como objetivo principal levar cidadania à população. O instituto realizou o levantamento cartorário, o mapeamento da comunidade, o cadastramento sócio-econômico e a planta baixa da localização de cada moradia e seus respectivos confrontantes. A documentação das moradias situadas em terras públicas foi entregue ao poder público para que este pudesse conceder os títulos aos moradores. As moradias situadas em terras privadas estão com o processo tramitando na justiça sob o acompanhamento jurídico do Instituto Atlântico.
Esse projeto foi um sucesso tão grande que é esperado que ele seja repetido em outras cidades e ainda deu origem a um livro, com depoimento dos idealizadores, moradores e beneficiados que fizeram parte do processo. A modalidade de usucapião aplicada nesse caso é um tipo coletivo.
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